Se pegarmos um dicionário e lermos o verbete “Louvor”, encontraremos o seguinte significado: “Ato de enaltecer alguém ou alguma coisa; elogio, apologia”. Pois bem, quando falamos em louvar a Deus, isso implica em enaltecermos ao Senhor, e essa prática pode ser individual ou congregacional. Hoje o louvor tornou-se sinônimo de música para a igreja contemporânea, todavia, louvar não se resume a cantar. Obviamente, os hinos ou cânticos espirituais podem ser usados com essa finalidade. Encontramos na Bíblia referências a música como parte integrante da liturgia. Paulo aos Efésios dá a seguinte instrução: Efésios 5:19 – “Falando entre vós em salmos, e hinos, e cânticos espirituais; cantando e salmodiando ao Senhor no vosso coração.”
Só que os velhos hinos e os salmos vêm perdendo espaço para as músicas da indústria fonográfica gospel. A invasão de letras e melodias compostas por artistas desse segmento mercadológico começou timidamente nos anos 90, quando tais canções tinham um espaço no culto dividido com os louvores dos clássicos hinários. Aos poucos, o hinário foi ficando obsoleto e em muitas congregações só existem as músicas do gospel. Bem, não irei aqui fazer apologia ao HCC, a Harpa ou ao Cantor Cristão, etc., até porque alguns dos hinos antigos também apresentam equívocos teológicos e outros estão obsoletos em seus vocabulários e arranjos sonoros. Determinadas letras não são inteligíveis por ostentarem termos que em nosso cotidiano entraram em desuso. Sobre melodias, algumas vezes na adoração cantada, precisamos expressar alegria, e os ritmos de cânticos centenários já não conseguem expressar alegria, estão envelhecidos e descontextualizados. Já as músicas de hoje – no geral – apresentam outra espécie de problema: O grande problema é que o Gospel é um tipo de música feita com o intuito de vender. Enaltecer a Deus não é a primazia. Daí você me diz: “Estás julgando”. Ao que eu respondo: “Sim, estou”. O julgamento é uma análise, e para um bom discernimento é preciso estudar os frutos. Vamos lá. Reparem nas músicas cantadas no próximo culto e vejam quantas delas tem Deus como sendo o cerne das letras e quantas tem o homem no centro. Gostaria de listar alguns exemplos.
Uma das canções mais antropocêntricas que já ouvi (e o clipe ajuda bastante) é “Cheio do Espírito Santo”, gravada por Thalles. Eis um trecho:
”Vou dizer, quem sou eu/Ahhhh/Cheio de graça/Cheio da bênção/Cheio do fogo/Cheio do manto/Fica a vontade, chega mais perto/Chega buscando/Chega dando glória, e dá lugar irmão.”
É perceptivo que o “eu” é o objeto de louvor. Outra música que vai na mesmíssima direção é “Nada pode calar um adorador” cantada por Eyshila. Observem o refrão:
”Adorar é o que sei/Adorar é o que sou/Nada pode calar um adorador/Não existem prisões/Que contenham a voz de quem te adora, oh Senhor.”
Não estou fazendo uma refutação teológica dessa canção. Apenas atento para o fato de que elas não são litúrgicas. Até aceito alguém dizer que é um adorador e que ninguém cala um adorador, mas tal afirmação não coaduna com o louvor a Deus. Para não dizer que sou um crítico desonesto, usarei um exemplo positivo de uma música gospel (uma rara exceção) que glorifica ao Senhor e pode ser usada como adoração congregacional. Trata-se de ”Senhor e Rei”, do grupo Toque no Altar (apesar do grupo ter muitas músicas ruins):
”Acima de Todos /acima de tudo/Está o Senhor entronizado/Os anjos e os homens/os céus e a terra/Montanhas e mares declaram quem tu és/Tu és Senhor e Rei/Governas sobre o universo/Justo e fiel/vestido de glória e poder/Coroado estás/Pra sempre reinarás.”
Nosso louvor deve ser para enaltecer a Deus tanto pelo que Ele faz, mas sobretudo pelo que Ele é. Não são apenas os atos do SENHOR que devem ser louvados, os Seus atributos também. É isso que vemos fazer Moisés (Êxodo 15) e Maria (Lucas 1) com seus cânticos. Da mesma forma os diversos Salmos, dentre eles os compostos pelos coraítas (por exemplo o Salmo 48). Não poderíamos aqui esquecer de um cântico da igreja primitiva que o apóstolo Paulo registra em sua epístola aos irmãos de Roma:
Romanos 11:36 – “Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém.”
Agora vejam o contraste entre o versículo acima e a letra “Conquistando o Impossível” gravada e cantada por Jamily:
”Campeão, vencedor/Deus dá asas, faz teu voo/Campeão, vencedor/Essa fé que te faz imbatível/Te mostra o teu valor/Tantos recordes/Você pode quebrar/As barreiras/Você pode ultrapassar/E vencer.”
É uma canção extremamente humanista com um apelo motivacional que enfatiza tanto os atributos do ser humano que diz que a fé (não necessariamente salvífica) mostra o valor da pessoa e não o valor do Deus que “dá as asas” para que o homem possa “voar”. Na mesma “pegada” vem “Raridade”, interpretada por Anderson Freire:
”Você é precioso/ mais raro que o ouro puro de Ofir/ Se você desistiu, Deus não vai desistir/ Ele está aqui pra te levantar se o mundo te fizer cair.”
Este é apenas um trecho equivocado de tantas outras frases infelizes que existem nessa música. E ela é uma das mais estouradas no momento, cantada inclusive por descrentes. Além de exaltar a preciosidade (?) do ser humano – o que não é aceitável num louvor – inverte um versículo da Escritura. Vejamos o contexto em que é dito que o homem será raro como o ouro de Ofir:
“Eis que vem o dia do Senhor, horrendo, com furor e ira ardente, para pôr a terra em assolação, e dela destruir os pecadores. Porque as estrelas dos céus e as suas constelações não darão a sua luz; o sol se escurecerá ao nascer, e a lua não resplandecerá com a sua luz. E visitarei sobre o mundo a maldade, e sobre os ímpios a sua iniquidade; e farei cessar a arrogância dos atrevidos, e abaterei a soberba dos tiranos. Farei que o homem seja mais precioso do que o ouro puro, e mais raro do que o ouro fino de Ofir”. Isaías 13:9-12
Essa passagem fala de destruição. O Dia do SENHOR virá e os ímpios serão esmagados. Os ímpios são a grande maioria dos seres humanos, o remanescente fiel é um grupo pequeno se comparado ao dos réprobos. Por isso que o homem se tornará precioso como o ouro. Precioso, raro, aqui significa escasso. Isaías, falando da parte de Deus não louva o valor intrínseco do ser humano, ele traz uma mensagem de juízo para a humanidade caída e depravada.
A grande falha nos “louvores” atuais é tirar o foco da majestade e da grandeza do nosso Deus para dissertarem acerca dos dilemas humanos, das tribulações da vida ou até mesmo a exaltação do cristão como se ele por si só fosse o responsável por perseverar em meio as lutas e tentações. Por isso, quando você estiver no culto, quando começar o período de louvor faça a seguinte pergunta a si mesmo: Eu estou realmente louvando a Deus? Estou louvando ao cantar músicas que carregam uma carga dramática de dilema pessoal? Estou louvando a Deus quando a canção subverte uma passagem da Escritura (caso da música Raridade)? É hora de nos voltarmos para a adoração que tem o princípio joanino “Que Ele cresça e que eu diminua”.
Finalizo com um encorajamento aos músicos cristãos que amam ao SENHOR e a sua Palavra: Cantem as Escrituras. Componham hinos que exaltem os atributos maravilhosos do Criador. Formulem melodias que levem a reflexão e a contemplação. Evitem os jargões sentimentais e saibam que liberdade poética não existe quando temos um Cânon que subscreve a forma de prestarmos culto. Orem para que seus cânticos sejam de exaltação ao Deus triúno e busquem apresentar o evangelho da graça ao cantar dentro e fora da igreja. Que o bom Deus vos capacite e que com a sabedoria do céu, os auto-louvores sejam trocados por canções que engrandeçam e glorifiquem ao Rei dos reis.