O xamã se recolhe em sua caverna antes da cerimônia. Os mantras entoados por yogues ou budistas são práticas milenares. Igrejas suntuosas com hinos de louvor ao Senhor, sinos, incensos, velas ou cânticos. Sinagogas e mesquitas adorando seus deuses. O pastor evangélico pregando na televisão. O que estas práticas têm em comum? O que move “as massas” para o caminho da superstição? Vamos discutir um pouco como a ciência pode propor uma explicação racional para a crença no sobrenatural e como tais crendices podem até mesmo ser perigosas.
A dissociação da consciência é um estado alcançado através de recursos que estimulam nossos cinco sentidos, criando terreno ideal para que a sugestão atinja nosso subconsciente. Em psicologia sabe-se que este processo, a hipnose, influencia todo o comportamento consciente do indivíduo, favorece a fisiologia com a produção de neurotransmissores e fortalece todo o sistema imunológico (ramo conhecido por Neuro-Psico-Imunologia). Muitas das curas e milagres atribuídos à fé e a oração são na realidade hipnose aplicada e não intervenções divinas. Muitas seitas e religiões se aproveitam deste fenômeno natural para promover suas idéias e conquistar adeptos. O procedimento de controle mental é tão eficaz que as pessoas podem acreditar em ideias infantis e racionalmente insustentáveis por toda uma vida.
A hipnose nada mais é que o desvio da atenção consciente para a indução de um estado de relaxamento completo altamente suscetível a sugestões. Não existe nada de mágico, como a maioria pensa, ou de sobrenatural: é um fenômeno perfeitamente natural e compreendido pela ciência. No início do século XX, o fisiologista russo Ivan Pavlov descobriu o chamado reflexo condicionado no estudo com cães. A experiência consistia em oferecer um pedaço de pão e observar a salivação dos animais; em um segundo momento oferecia-se o mesmo pedaço de pão e tocava-se simultaneamente um sino, provocando o mesmo mecanismo de salivação esperado. Pavlov percebeu que apenas o toque do sino era suficiente para produzir saliva nos cães, mesmo que não se oferecesse o pão. Como no caso dos cachorros, os seres humanos também desenvolvem comportamentos em resposta a estímulos ambientais. A programação do subconsciente é uma arma eficaz nas propagandas e também é muito presente em cultos religiosos.
Baixa frequência das ondas cerebrais e o fenômenos da hipnose.
Músicas monotônicas e de baixa frequência produzem auto-hipnose, principalmente aquelas que se situam na faixa igual ou menor que 7 Hertz (sete ciclos por segundo). Muitos cultos protestantes, em especial o das igrejas neopentecostais, apresentam como fundo musical ritmos que estão nesta faixa de frequência. A Igreja Mundial do Poder de Deus (IMPD) possui atualmente uma programação diária em três canais e apresenta geralmente músicas de fundo monotônicas e de baixa frequência. É bastante preocupante observar que não é um caso exclusivo: a Universal do Reino de Deus, Assembleia Vitória em Cristo e Igreja Internacional da Graça de Deus também usam do mesmo artifício. É importante dizer que muito provavelmente tais instituições não fazem uso intencional de tais técnicas hipnóticas: a experiência prática herdada do passado (e que em algum momento deu certo) é “copiada”. A modelagem também é adotada imitando-se a maneira de expressão línguistica e corporal de seus líderes espirituais. Quando assistirem a um programa evangélico na televisão, reparem como a maioria dos pastores apresentam semelhança de timbre e ritmo de voz, linguagem corporal e tonalidade de voz com o chefe fundador da igreja (Programação Neurolinguística – PNL).
O poder da música tem sido usado pela religião desde a antiguidade. No Antigo Egito, o papiro Ebers mostra como os sacerdotes colocavam as pessoas em transe hipnótico semelhante ao que conhecemos hoje pela ciência. Na Grécia Antiga, os cultos a Asclépios (deus da medicina) eram frequentes em templos onde sacerdotes induziam hipnose em seus pacientes. A meditação budista e yogue pela entoação de cânticos é muito sensível para induzir o mesmo efeito. Na China, cerimônias eram realizadas com uma série de estimulos auditivos, gritos, histeriais e danças frenéticas. O cristianismo, judaísmo, hinduísmo e islamismo também possuem rituais bastante apelativos a estímulos auditivos. No caso da auto-hipnose zen ou oriental, a concentração exagerada leva a um estado de paz e receptividade a idéias saudáveis: a programação do subconsciente surte efeito positivo na vida emocional do praticante. Fé e oração fornecem resultados parecidos. O problema reside quando a sugestão é externa e as ideias são perigosas, como veremos mais adiante.
Papiro Ebers
Ambientes de pouca iluminação, rituais monótonos, apelação a incensos, recintos decorados e ornamentados por imagens de santos ou deuses, música ou cânticos, longas leituras de livros sagrados em tonalidade única e ritmada, dietas miraculosas são todos exemplos de situações que podem produzir auto-hipnose. Uma vez afetado por sugestionamento subconsciente, o reflexo condicionado revela-se imperativo no momento em que o fiel aceita conscientemente contribuir com o dízimo, pagando seu pedágio para o paraíso. A razão é suprimida pela emoção ou pelo medo, impulsionando o desejo inconsciente. É por este motivo que possessões demoníacas são muito usadas, porque impressionam uma platéia e abrem espaço para as mais variadas sugestões, conforme a vontade do doutrinador. Entrar em estado de agitação libera adrenalina e entrar em estado de relaxamento acetilcolina, ambos hormônios que provocam inibição cortical seletiva (área do cérebro responsável pelo raciocínio, dedução, mente objetiva e lógica). A sugestão de um líder carismático e paranóico pode provocar tragédias praticamente anunciadas.
A seita “Templo do Povo” do guru Jim Jones foi fundada na Califórnia em 1977 e atraiu milhares de seguidores, que doaram todos seus bens e pertences. Carismático, Jones reuniu seus fiéis na República da Guiana e os convenceu a cometer suicídio coletivo em 1978. O envenenamento de mais de 900 pessoas foi causado pela ingestão de cianureto de potássio de forma voluntária e espontânea. Mais recentemente, Marshall Applewhite, fundador da seita “Heaven’s Gate”, convenceu 39 seguidores a cometer suicídio coletivo em 1997. Os discípulos esperavam embarcar em uma nave espacial escondida na cauda do cometa Halle- Bopp.
Templo do Povo, suicidio coletivo em 1978.
A fé e a oração comprovadamente podem ajudar na cura de certas enfermidades, elevar a auto-estima pessoal e contribuir para uma melhor qualidade de vida. O objetivo deste texto foi o de tentar convencer o leitor de que este processo de cura e bem estar acontece por meios naturais e não sobrenaturais. É fundamental perceber que estamos a todo tempo sendo manipulados não somente pelas doutrinas religiosas, mas também pelas propagandas. Abdicar da racionalidade e aceitar estas manipulações sem o devido questionamento pode fazer com que uma pessoa mentalmente saudável acredite que o mundo tem apenas 6 mil anos de idade. A disseminação de programas religiosos na televisão é extremamente perigosa e desleal. As igrejas estão usando de todo o aparato da propaganda subliminar e das técnicas hipnóticas para vender o produto “religião”, prometendo em troca a salvação eterna da alma (que convenientemente virá somente com a morte). Com todo este arsenal psicológico, há muito pouco que podemos fazer para evitar a degradação racional de milhares de pessoas.
