"O mito é a janela que se abre para todos os
ventos e todas as interpretações".
Desde que o homem começou a dar os primeiros passos
sobre a terra, o acompanhou mais de uma interrogação e, à medida que foi
evoluindo e fazendo-se mais humano, ditas interrogações cresceram em quantidade
e profundidade.
Todas as grandes preocupações do homem, figuram nas
mitologias, onde a princípio, investigava sua própria origem e do mundo em que
habitava. Os primeiros mitos, portanto, tiveram como origem a necessidade de
explicar alguns fenômenos da natureza, como o trovão, a lua, a forma das
árvores e as características dos animais. Posteriormente, se construiu mitos
que tratavam de explicar e penetrar pelas janelas secretas da condição humana e
das instituições que se desenvolveram a partir da interação grupal.
Quando o homem via qualidades e características humanas
como pertencentes a objetos ou coisas inanimadas, essas qualidades e
características não eram tão somente idéias arbitrárias, mas reflexos das suas
qualidades inconscientes. Quando encarava fenômenos naturais ingenuamente,
personificando-os, como nos mitos e lendas, estava interpretando a natureza de
acordo com sua própria natureza. Seu inconsciente era projetado no mundo
exterior. Nos mitos folclóricos semi-esquecidos dos povos antigos encontramos
relíquias de suas maneiras de pensar primitivas, que não estão extintas e, que
reaparecem hoje, no inconsciente, na forma de sonhos e fantasias.
"Com efeito, a mitologia arcaica, integra a
sociedade humana e o homem ao mundo. Ela estabelece correspondências analógicas
entre o universo ecosistêmico e o universo antropológico, o qual, desta forma,
se fragmenta, se completa e aparece como um microcosmo" (E. Morin). Sobre
essas correspondências, a contribuição de Carl Jung é de fundamental
importância, pois estabeleceu surpreendentes relações entre a esfera individual
e cultural, através de sua teoria dos arquétipos, sintetizando com a brilhante metáfora:
"os mitos são sonhos da cultura".
Arquétipo, do grego "arkhétypos", significa
modelo primitivo, idéias inatas. Foi empregado este termo, significando o
inconsciente coletivo por Jung. No mito este conteúdo refere-se a um tempo
passado, remoto.
Os arquétipos estão presentes nas lendas, nos mitos e
nas maneiras de ser predominantes de uma cultura. São as estruturas
fundamentais do nosso psiquismo e seu conhecimento e compreensão nos permite
tornarmos mais conscientes tanto das nossas fraquezas quanto fortalezas.
Para Carl Jung, o mito é a concretização do
inconsciente coletivo, ou seja, um elo que une o consciente e o inconsciente
coletivo. Compreende-se como inconsciente coletivo a memória das vivências de
gerações que nos antecederam. O inconsciente coletivo seria a identidade da
humanidade, independente de época ou tempo que tenha vivido.
Segundo Mario Mercier:
"É na tradição, nas antigas narrativas, nesses
arquivos universais chamados erroneamente de lendas, é nos velhos contos que o
homem poderá encontrar a sua verdadeira identidade mágica. Para isso, deverá
sair de sua cristalização intelectual e ultrapassar a concepção de símbolo que,
embora energético, não deixa de ser bastante abstrato."
Devemos ter em conta, que em todo o grupo humano
existem mitos, criações humanas coletivas, que funcionam como um motor de
recriação de um tempo passado e primordial, onde os atos humanos adquirem um
significado distinto para cada feito original da espécie humana. Os mitos
então, representam os processos inconscientes de tribos e raças inteiras. Foram
adaptados às necessidades comuns de incontáveis gerações por um processo de
convencionalização, através do qual os elementos pessoais foram eliminados. O
fato de que mitos equivalentes sejam similares até em detalhes em culturas de
povos bastante separados, indica que representavam temas psicológicos gerais
que são verdadeiros para a humanidade como um todo. Segundo Jung, "em cada
indivíduo existem imagens primordiais herdadas na estrutura do cérebro".
Esta alegação explica o fenômeno do porque certas lendas e mitos aparecerem
repetidas por toda a terra.
Toda e qualquer sociedade, carece de mitos, pois eles
encarnam suas qualidades e atributos, além de servirem de referencial à própria
sociedade que os criou. De certa maneira, são elementos de ligação entre o
homem e esta sociedade.
A função social do mito está delineada em "Myto y
Sociedade": "cada sociedade segundo seu modo de ser, concebe de
maneira peculiar sua unidade e ao expressá-la toma consciência de sua existência.
Nenhum rei, nenhuma bandeira, nenhuma outra coisa pode ser a encarnação de um
grupo como é o mito".
OUTROS CONCEITOS DE MITO....
O mito é a verdade que esconde outra verdade, pois é
mister em ir além das aparências, busca significados da parte abstrata, no
sentido mais profundo.
Segundo Malinnowski, o mito "é uma realidade que
corresponde a uma necessidade religiosa, à aspirações morais e à imperativos da
ordem social".
André Lalande:
"Narrativa fabulosa de origem popular e não
reflexiva, no qual os agentes impessoais, na maior parte dos casos as forças da
natureza são representadas sob a forma de seres personificados, cujas ações ou
aventuras têm um significado simbólico".
Erich Fromm:
"O mito como o sonho, apresenta uma estória
desenrolando-se no tempo e espaço, estória essa que exprime em linguagem
simbólica idéias religiosas e filosóficas, experiências, da alma em que se
reside o verdadeiro significado do mito. Se a gente não logra apreender o
significado real do mito, fica em face de uma imagem ingênua, pré-científica do
mundo e da história e, na melhor das hipóteses, um produto de uma bela
imaginação poética, ou então, esta é a atitude de crente ortodoxo, a estória
manifesta do mito é verídica e tem-se de acreditar nela como um relato correto
dos fatos deveras ocorridos na realidade".
"O mito é a resposta a um estímulo e uma
necessidade psíquica, enquanto a imaginação é o caldo nutriente, o meio de
cultura onde a semente do mito germina e floresce." Franz K. Pereira
O mito, nada mais é do que projeções de fatos reais, as
quais o homem procurou registrar com suas limitadas expressões e que, com a
tradição oral, ganhou um colorido especial, até que restou apenas uma
"imagem"da verdade, refletida em um espelho esfumaçado.
O OCEANO SONHADO DO INCONSCIENTE
Analisar um mito, é viver em um mundo transfigurado e
impregnado da presença de seres sobrenaturais.
Para realizarmos a crítica sobre o mito, devemos
primeiro, nos situarmos na realidade, tratando de encontrar um método que nos
permita nos acercarmos do "oceano sonhado do inconsciente", tratando
de assinalar as determinações, os caminhos que traduzem esta realidade
fantástica e arbitrária, transformando-os em signos mais compreensíveis à
realidade cotidiana.
Nesta zona do imaginário aborígine, não era uma
presença insólita como o cavalo alado dos gregos ou os castelos encantados do
imaginário medieval. Aqui, como em toda a América, o imaginário era uma
presença constante, um compartilhar cotidiano que tinha como conseqüência
direta a criação de mitos e lendas que constituem o quê denominamos de realismo
mágico, que nasceu em uma atmosfera e dimensão sobrenatural, sendo considerado
a manifestação mais pura e autêntica do universo americano.
O nosso indígena era um fazedor de mitos e lendas, este
é o maior dos legados.
Hoje, para nossa felicidade, percebemos uma resistência
organizada por parte de alguns povos indígenas no sentido de preservar a
cultura de seus ancestrais. Todos nós, também podemos lhes prestar assistência
, divulgando e prestigiando seu acervo cultural.
É embrenhando-nos na maravilhosa selva do nosso
interior, onde habitam o sentimento rude, primitivo, bárbaro, que nos foi
herdado da inquietude de nossos ancestrais, que aprenderemos mais sobre nós
mesmos. Neste esplendor, vicejam mitos robustos e inconcebíveis, onde ainda
correm em suas veias a seiva quente das terras de sua origem.
É através do estudo do inconsciente portanto,que
poderemos nos reconciliar com os bárbaros dentro de nós. O drama do mundo pode
começar a ser resolvido e desempenhado dentro de cada indivíduo. Se esta
revolução pacífica pudesse ser conseguida em um número suficiente de pessoas,
não poderia acontecer a renovação da vida sem necessidade de passar por uma
fase de destruição e barbarismo? Ocorrendo esta revolução de dentro para fora,
desnecessária seria a destruição de qualquer civilização. Por isso é importante
estudarmos o inconsciente de maneira a reconstruir nossas atitudes de acordo
com as forças negligenciadas. Realmente, esta negligência tem nos levado a uma
certa falsificação de valores...
PARALELO ENTRE LENDAS E MITOS
Na maioria das vezes, mitos e lendas são confundidos.
Realmente, os limites entre um e outro, são quase inexistentes.
Segundo Luis da Câmara Cascudo, o elemento de distinção
entre lenda e mito está no fator "tempo-espaço".
O mito estaria acima do tempo e do espaço, é universal.
Já a lenda, é um episódio heróico-sentimental que tem por origem fatos que
impressionaram o imaginário popular e localizável no tempo e espaço. Conserva
também, as quatro características do conto popular: a antiguidade, a
persistência, o anonimato e a oralidade. Se distingue do mito pela "função
e o confronto".
A principal característica do mito é a sua natureza
"não reflexiva" (André Lalandre), ou seja, sua falta de
questionamento ou críticas. Victor Jabouille, lhe dá uma conotação mais ampla
ao afirmar que: "o mito é tão vasto que nele se pode incluir praticamente
toda a expressão cultural humana...é a materialização extremamente completa do
Imaginário Humano".
Tanto o mito quanto a lenda são a história de um País
contada pelo seu povo. Enquanto o mito é universal, a lenda é local. O mito é
atemporal, já a lenda se localiza no tempo.
Um povo conta mitos e lendas na tentativa de relatar
suas memórias, são nada menos, que depoimentos que um povo faz sobre si mesmo,
acrescidos de alguns
floreios, necessários para despertar nossa atenção.
O MITO E A MENTE CONTEMPORÂNEA
Sem dúvida, o ser humano já alcançou uma evolução
significativa. Mas apesar de todos estes avanços no campo intelectual,
científico e tecnológico, não encontrou eco que respondesse suas expectativas
ou decifrasse seu enigma existencial. Tampouco vislumbrou lograr a paz
associada à justiça social. Então de que modo pode o homem moderno suportar a
carga de sua existência? Ou mesmo enfrentar catástrofes, terrorismos, guerras,
bombardeio atômicos se a justiça é um jogo cego e sujo e encontra-se nas mãos
de forças econômicas que não se preocupam com o seu bem estar?
Neste instante de tempo, nossa insatisfação tem sido
enfatizada pelas convulsões mundiais, ânsias por guerra, o que tem nos provado
que a felicidade e realização na vida não são encontradas na produção em massa
ou nas novas descobertas tecnológicas ou científicas. A insatisfação mostra-se
não tão somente na ansiedade geral, mas também na neurose e infelicidade, assim
como cria uma sensação de frustração e falta de entusiasmo real. Em verdade,
estamos insatisfeitos com a qualidade dos relacionamentos humanos. Com certeza,
nossos avós e nossos pais, eram menos suscetíveis a desarmonia e ao tédio, por
realizarem relacionamentos mais satisfatórios. Hoje nossa vida é fria, vazia e
estéril. Devemos buscar, portanto, um renascimento espiritual que alimente
nosso interior, pois a ciência só tem nos provado que é impotente em face de
uma ameaça de colapso da nossa cultura.
É imperativo um contato renovado com os níveis mais
profundos da natureza, para que se promova uma verdadeira relação vital a ser
estabelecida com leis e princípios que ativem a humanidade. Não devemos nos
esquecer que nossos ideais sempre são centrados em nossos sentimentos e para
alcançá-los, se requer algo mais do que um elaborado trabalho acadêmico.
"O caos que a sociedade atual vivencia, pode ser
devido ao permanente processo mitogênico e mitofágico que o progresso provoca.
O progresso é mitofágico, mas o ser social é mitogênico, porque é através do
mito que ele procura estabelecer uma ordem, da mesma maneira que ele se utiliza
de uma mandala para promover o equilíbrio em seus caos interior." Franz K.
Pereira
Fomos, somos e sempre seremos eternos "Caçadores
de Emoções", sem nossos mitos e lendas, com suas maravilhosas fantasias e
sonhos a serem realizados, nossa vida seria totalmente sem graça.
O mundo através dos mitos e lendas, renasce como uma
primavera. O homem é o único herdeiro destas tradições, vivências, ensinamentos
e é somente através deles que vencerá seu terror existencial e histórico e,
assimilando este aprendizado, se fará merecedor da exuberante e esperançosa
primavera que florescerá em seu coração.
Hoje, mais do que nunca, as raízes de nosso espírito,
leva-nos cada vez mais a indagar sobre as nossas origens.