Você sabe o que tem nos vegetais que sua família come? Sabe de onde eles vêm?
De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), 15% dos alimentos consumidos pelos brasileiros apresentam taxas de resíduos de veneno (pesticidas, praguicidas, formicidas, herbicidas, fungicidas, ou, coletivamente, agrotóxicos) em níveis prejudiciais à saúde.
Desde 2008, o Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxicos.
Na safra de 2009, foram utilizadas 1 milhão de toneladas de defensivos agrícolas, adubos e fertilizantes, e esse recorde deve ter sido superado em 2010,2011 e 2012.
Isso acontece por causa do modelo de produção brasileiro, baseado no agronegócio.
Incentivados pelas políticas públicas, os produtores compram “pacotes tecnológicos”, com sementes (muitas vezes, transgênicas), fertilizantes e agrotóxicos.
Em entrevista ao Portal Ecodebate, a pesquisadora da Fiocruz Lia Giraldo explica que "desde a década de 70, exatamente no ano de 1976, o governo criou um plano nacional de defensivos agrícolas.
Dentro do modelo da Revolução Verde, os países produtores desses agroquímicos pressionaram os governos, através das agências internacionais, para facilitar a entrada desse pacote tecnológico.
Em 1976, o Brasil criou uma lei do plano nacional de defensivos agrícolas, na qual condiciona o crédito rural ao uso de agrotóxicos.
Assim, parte desse recurso captado deveria ser utilizada em compra de agrotóxicos, que eles chamavam, com um eufemismo, de defensivos agrícolas.
Então, com isso, os agricultores foram praticamente obrigados a adquirir esse pacote tecnológico".
Quem enriquece são as grandes multinacionais.
As seis maiores empresas produtoras de agrotóxicos no mundo (Syngenta, Bayer, Monsanto, Basf, Dow e DuPont) concentram cerca de 70% do mercado de sementes, agrotóxicos, fertilizantes e transgênicos.
obs: ao contrário do que muitas vezes afirmam as empresas, o uso de transgênicos não minimiza os custos e nem o uso de agrotóxicos.
Só no caso da soja (75% transgênica no Brasil), a venda de herbicidas aumentou mais de 200% na última década, enquanto o aumento na área plantada foi de 67%.
Para combater as pragas e aumentar a produção, os agricultores compram venenos que também fazem mal às próprias plantas que produzem, precisando comprar em seguida adubos e fertilizantes, que – mera coincidência – são produzidos e comercializados pelas mesmas empresas que produzem os agrotóxicos.
Um dos efeitos que os agrotóxicos têm é matar bactérias benéficas, como as fixadoras de nitrogênio, um nutriente necessário para as plantas.
Torna-se necessário, então, aplicar fertilizantes (cujo elemento principal é o nitrogênio). Só que, depois de aplicado no solo, cerca de 1% do nitrogênio dos fertilizantes é liberado para o ar na forma de óxido nitroso, um gás quase 300 vezes pior para o aquecimento global do que o CO2.
Os resíduos de fertilizantes vão parar em lagos, rios, lençóis freáticos e até no mar, causando um grande desequilíbrio ecológico: primeiro, eles fertilizam algas e plantas aquáticas, que crescem além da conta.
Só que, quando elas morrem, sua decomposição rouba oxigênio da água, matando todos os peixes e outros animais.
Existem cerca de 400 zonas mortas nos mares, hoje, por causa desse fenômeno.
O uso de fertilizantes tem mais um efeito nocivo, este para a nossa alimentação: as frutas cultivadas com eles têm menos nutrientes, como ferro e vitamina C, que as orgânicas.
As plantas crescem e começam a produzir mais rápido, tendo raízes menores e menos tempo para acumular nutrientes nos frutos.
O uso continuado dos venenos também, por um simples mecanismo de seleção, provoca a resistência das pragas.
Com o tempo, os agrotóxicos deixam de funcionar, obrigando o agricultor a aumentar a dose ou a comprar um novo produto, num ciclo vicioso (ótimo para quem vende agrotóxicos!).
Quer mais?
Um outro ranking coloca o Brasil entre os primeiros em acidentes por intoxicação com agrotóxicos.
Segundo a Tribuna do Interior, em 2008 foram registrados, somente no Sul do país, 1.139 casos de intoxicação, segundo o Sistema Nacional de Informações Toxicofarmacológicas (Sinitox), órgão vinculado à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
A Anvisa estima que, para cada caso conhecido, 50 não tenham sido informados.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 3% dos trabalhadores expostos a agrotóxicos no mundo sofrem algum tipo de intoxicação.
Os agrotóxicos estão entre os principais fatores de risco para a saúde da população, afetando os trabalhadores rurais, os consumidores e o meio ambiente.
E o pior de tudo é que o Brasil é o principal destino dos agrotóxicos proibidos no exterior.
Dez variedades vendidas livremente por aqui não circulam na União Europeia e Estados Unidos, alguns nem em vários países da África e até no Paraguai.
Ao invés de ser um argumento para que tenhamos cautela com relação a esses agrotóxicos, a proibição em outros países aumenta a pressão das empresas pelo aumento das vendas no Brasil e contra as avaliações da Anvisa, para não perder mercado.
O coordenador-geral de Agrotóxicos e Afins do Ministério da Agricultura, Luís Rangel, admite que produtos banidos em outros países e candidatos à revisão no Brasil – justamente os que possuem evidências de serem perigosos – têm aumento anormal de consumo entre os produtores brasileiros.
Para reverter isso, seria preciso uma lei que controlasse a importação de agrotóxicos sob suspeita. Mas, é claro, as empresas, com auxílio de setores do governo, farão todo o possível para evitar que isso aconteça.
Em 2008, a Anvisa colocou em reavaliação 14 ingredientes ativos (utilizados em mais de 200 agrotóxicos), dentre eles o endossulfan, o acefato e o metamidofós, com base em indícios de riscos à saúde.
Entretanto, uma série de decisões judiciais impediram, por quase um ano, a Anvisa de realizar a reavaliação dessas substâncias. "Empresas de agrotóxicos e o próprio Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Agrícola recorreram ao Judiciário para impedir a Anvisa de cumprir seu papel", critica a consultora jurídica do Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC), Andrea Salazar.
Após muita luta, a Anvisa conseguiu reverter as decisões judiciais.
De lá pra cá, já foram divulgados os resultados de algumas dessas reavaliações.
Resultados publicados em agosto de 2010 determinam o banimento total da cyhexatina até julho de 2011 e apresentam o indicativo do banimento da utilização de acefato, metamidofós e endossulfan.
Os indicativos de banimento da Anvisa são analisados por uma comissão tripartite formada pela própria Anvisa, o Ibama e o Ministério da Agricultura.
Este ano, já foi determinado o fim do uso do metamidofós até o dia 30 de junho de 2012.
Segundo a Anvisa, mesmo em pequenas doses, esse agrotóxico provoca intoxicação.
Em junho de 2010, a Anvisa divulgou os dados do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA), que ainda em 2009 analisou 20 culturas (abacaxi, alface, arroz, banana, batata, beterraba, cebola, cenoura, couve, feijão, laranja, maçã, mamão, manga, morango, pepino, pimentão, repolho, tomate e uva) em 26 estados do Brasil.
Apenas Alagoas não participou.
Os dados mostram que agrotóxicos com alto risco para a saúde humana são utilizados sem levar em consideração a existência ou não de autorização do Governo Federal.
Em 15 das 20 culturas analisadas foi encontrada presença irregular de agrotóxicos – em níveis acima do permitido pela legislação ou utilizados em culturas para as quais não estão autorizados.
Dentre eles, o acefato, o metamidofós e o endossulfan.
Nenhuma das culturas possui autorização de uso do agrotóxico endossulfan, que já é proibido em 45 países e causou mortes por intoxicação na Colômbia (veja a lista de países que baniram o endossulfan e de seus motivos), porém, os resultados demonstraram a presença do veneno em 14 delas.
O gráfico acima mostra os resultados insatisfatórios do PARA, por alimento, considerando apenas os ingredientes ativos de agrotóxicos que estão em reavaliação toxicológica na Anvisa devido aos seus efeitos negativos para a saúde humana. Em vermelho está o endossulfan.
Quanto veneno pode ter na água que bebemos?
O modelo de agricultura baseado no agronegócio foi um dos temas do I Simpósio Brasileiro de Saúde Ambiental (I SIBSA), realizado de 6 a 10 de dezembro em Belém do Pará.
No encontro, foi aprovada uma moção contra o uso de agrotóxicos na agricultura e cobra a mudança do modelo de cultivo para uma plataforma agroecológica.
No dia 7 de abril, Dia Mundial da Saúde, deve ser lançada a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.
Outra moção aprovada durante o Simpósio questiona a revisão da portaria 518/2004 do Ministério da Saúde, que regulamenta quais e que quantidades de substâncias podem estar na água para consumo humano.
A moção critica a tentativa de aumento do limite máximo de glifosfato (o Roundup da Monsanto; uma das substâncias que a Anvisa quer reavaliar pelo risco de danos à saúde) na água potável e a falta de diálogo com setores ligados à saúde ambiental durante o processo.
Para Wanderlei Pignati, professor do Núcleo de Estudos Ambientais da UFMT, ao analisar o histórico das portarias de potabilidade da água no Brasil – a primeira, 56/1977; a segunda, 36/1990; e a terceira, 51/2004 – verifica-se que a legislação foi "legalizando a poluição": "A primeira portaria diz que pode ter na água para consumo humano 10 metais pesados, nada de solventes, 12 agrotóxicos e nenhum produto de desinfecção doméstica, com exceção do cloro.
Já na segunda portaria, editada 13 anos depois, os metais pesados passaram para 11, os solventes para 7, os agrotóxicos para 13 e os produtos de desinfecção passaram para dois".
Hoje, em um litro de água que bebemos, pode-se ter 13 metais pesados, 13 solventes, 22 agrotóxicos e 6 produtos de desinfecção. "Vão poluindo, aumentando o uso de agrotóxico, de metais, de solventes, de desinfetantes e isso começa a ser permitido na água".
Segundo a representante da Anvisa Letícia Silva, em um estudo feito pela UFMT em parceira com a Fiocruz foi encontradoendossulfan em águas de chuva coletadas no Mato Grosso. As pessoas podem estar bebendo água contaminada.
Também é preocupante o fato de que as maiores produções agrícolas do país, que utilizam quase 80% dos agrotóxicos consumidos, encontram-se justamente sobre o aqüífero guarani, maior reservatório subterrâneo de água potável do mundo.
Mas, esses venenos não fazem mal para as pessoas. Não é?
"Aconteceu em outubro de 2009, no interior do Espírito Santo. Foi feita uma pulverização aérea de agrotóxicos em uma plantação de café próxima a uma escola.
Os aviões passavam perto da escola despejando os agrotóxicos e as aulas não puderam continuar. Por causa do cheiro forte, as crianças começaram a passar mal e algumas chegaram a desmaiar".Relato do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) no Seminário Nacional contra o Uso de Agrotóxicos(outubro/2010)
Segundo a Anvisa, "de acordo com os conhecimentos científicos atuais, se ingerirmos quantidades dentro dos valores diários aceitáveis (IDA) não sofreremos nenhum dano à saúde."
O consumo além dessas quantidades pode resultar em diversos sintomas, dependendo de qual a substância ingerida (existem mais de 400 pesticidas liberados no mercado), o nível de exposição a estas e outras substâncias, idade, peso, tabagismo etc.
Esses sintomas podem surgir logo após o contato com o produto (os chamados efeitos agudos) ou só após semanas ou anos (efeitos crônicos). Algumas substâncias tóxicas permanecem no nosso organismo por toda a vida.
Os sintomas podem variar de dores de cabeça, coceiras e alergias até distúrbios do sistema nervoso central ou câncer, nos casos mais graves de exposição.
Alguns males agudos e crônicos que podem ser causados pelos venenos:
-Dor de cabeça;-Tontura, fraqueza, mal estar;-Tremores no corpo;-Diarréia;-Convulsões;-Desmaios;-Irritação de nariz, garganta e olhos;-Náuseas, vômitos;-Falta de ar, problemas respiratórios;-Dores no corpo;-Problemas nos rins e/ou fígado;-Feridas, queimaduras e alterações na pele;-Depressão;-Câncer;-Distúrbios hormonais;-Distúrbios neurológicos;-Problemas reprodutivos;-Má formação fetal
Carlitos, bebê com defeitos de nascença atribuídos a pesticidas.
Quem mais sofre esses efeitos é o trabalhador rural.
É muito importante utilizar equipamentos de segurança (roupa adequada, máscaras, botas, luvas, chapéu, óculos de proteção...) e utilizar os produtos corretamente.
Porém, mesmo tomando-se todas as providências, alguns venenos continuam sendo muito perigosos, como o endossulfan.
E agora? Devo parar de comer salada?
Claro que não!
Mas, então, como proteger a saúde da sua família (e, de quebra, o meio ambiente e saúde dos trabalhadores rurais)?
Dando preferência aos alimentos orgânicos!
Além de não conterem agrotóxicos e não agredirem o ambiente, os orgânicos possuem mais nutrientes que os alimentos convencionais.
E alguns agricultores estão percebendo que sementes produzidas e guardadas por eles são mais produtivas e têm menor custo do que as sementes das multinacionais.
Atenção para o selo de certificação do Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade Orgânica (Sisorg), do Ministério da Agricultura:
Muitos produtos vendidos como “orgânicos” não têm certificação adequada, podendo ser até enganação para cobrar mais caro do consumidor.
Mas esse quadro deve mudar, agora que novas regras para regulamentação passaram a valer em 1º de janeiro deste ano, e os produtos comercializados como orgânicos devem obrigatoriamente conter esse selo.
Eu sei que eles são mais caros e pesam no bolso de muita gente.
Mas vale a pena economizar com consultas e remédios mais adiante!
Pelo menos, considere substituir por orgânicos os produtos que mais utilizam agrotóxicos comprovadamente prejudiciais, segundo as análises da Anvisa.
De 20 produtos agrícolas analisados no PARA, aqui está o Top 10 dos alimentos com mais agrotóxicos:
Isto significa que, de cada dez pimentões à venda no supermercado, oito estão contaminados e representam risco à saúde.
A cultura analisada que apresentou melhor resultado foi a da batata, com irregularidades em apenas 1,2% das amostras analisadas.
Outras medidas apontadas pela Anvisa para reduzir a ingestão de agrotóxicos, além da substituição por orgânicos: procurar sempre alimentos de origem identificada, pois isto aumenta o comprometimento dos produtores em relação à qualidade dos alimentos; preferir alimentos da época; e lavar bem os alimentos com água limpa, deixá-los de molho em água com cloro ou vinagre e depois lavar novamente em água limpa (esse procedimento pode retirar parte dos agrotóxicos presentes no exterior dos alimentos, mas não tira a maior parte deles, que penetra na planta).
Vale lembrar que lavar o alimento é sempre bom, mesmo se ele for orgânico.
Segundo notícia do Correio do Estado, no ano passado o mercado interno de orgânicos cresceu 40% em relação a 2009, e o externo, 30%.
Temos muito a lucrar com o banimento dessas substâncias nocivas. Além de beneficiar a saúde e o meio ambiente, ele também pode ter impactos positivos na economia nacional. Por exemplo: Europa, Japão, Estados Unidos e outros países não importam alimentos com resíduos de cihexatina.
Porém, ainda é preciso mudar a mentalidade da maioria dos agricultores, e com décadas de incentivo ao atual modelo, isso requer um trabalho no sentido contrário.
A pesquisadora da Fiocruz Lia Giraldo aponta que, "como aconteceu antes, quando o crédito rural foi condicionado ao uso do agrotóxico, agora pode acontecer o contrário: ser dado o crédito para aqueles que não usarão agrotóxicos, fazer o inverso e criar uma nova escola de agricultura."
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A Revolução Verde teve graves conseqüências para a sociedade, levando a um aumento na concentração de terras e ao êxodo rural, e para o meio ambiente, verificadas na perda da fertilidade do solo, erosão, perda de diversidade genética, e na contaminação do solo, dos recursos hídricos e dos próprios alimentos pelos agrotóxicos.
Quem ganha com esse modelo? As bilionárias multinacionais.
Ironicamente, o modelo que promete (até hoje!) acabar com a fome no mundo leva à concentração de riquezas, à miséria e à fome.
O argumento que tentam nos fazer engolir, de que agrotóxicos, transgênicos e expansão territorial da agricultura são necessários para salvar a humanidade da inanição, é uma mentira.
Existe alimento para todas as pessoas do mundo.
Mesmo com o crescimento populacional, é possível alimentar toda a humanidade sem aumentar a produção, adotando práticas como a agroecologia, o combate à desigualdade, e a adoção de uma dieta menos carnívora.
(não apenas temos grandes áreas de pastagem que poderiam ser usadas para o cultivo – a área desmatada na Amazônia para criar gado equivale à de 100 cidades de São Paulo –, como cerca de 40% dos grãos produzidos, sendo da soja quase 80%, servem para alimentação de gado.
Uma única peça de picanha exige 75 quilos de vegetais para ser produzida! – então não venham dizer que os vegetarianos são culpados pela expansão da monocultura de soja!).
A tal “salvação da humanidade” está em um novo paradigma, uma nova revolução: um modelo econômico baseado na sustentabilidade.
Se é que ainda temos salvação.
Fonte: Raízes e Azas