No dia 18 de março de 1314, Paris amanheceu nervosa. Jacques de Molay, grão-mestre da Ordem dos Templários, iria para a fogueira. O condenado à morte pediu duas coisas: que atassem suas mãos juntas ao peito, em posição de oração, e que estivesse voltado para a Catedral de Notre Dame.
No caminho, parou e fitou os dois homens que o haviam condenado: o rei Filipe, o Belo, e o papa Clemente 5º. Rogou-lhes uma praga: “Antes que decorra um ano, eu os convoco a comparecer perante o tribunal de Deus. Malditos!” Depois disso, calou-se e foi queimado vivo.
As chamas que consumiram De Molay também terminaram com uma época, da qual o grão-mestre foi o derradeiro símbolo: a das grandes sociedades secretas da Idade Média. Nenhuma foi tão poderosa quanto a Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão – nome completo dos templários.
“Enquanto o clero e a nobreza se engalfinhavam na luta pelo poder, os templários, sem dever obediência senão ao papa, desfrutavam de uma independência sem par”, diz o historiador britânico Malcolm Barber, autor de A History of the Order of the Temple (“Uma História da Ordem do Templo”, inédito no Brasil).
TROPA DE ELITE
A ordem foi fundada em Jerusalém, no ano de 1119. Seu propósito era dar proteção aos peregrinos cristãos na Terra Santa. A cidade tinha sido conquistada pelos cruzados em 1099, mas chegar até lá continuava sendo um problemão. Ela era praticamente uma ilha, cercada de muçulmanos por todos os lados. A solução, proposta pelo cavaleiro francês Hugo de Payns, agradou ao rei de Jerusalém, Balduíno 2º: criar uma força militar subordinada à Igreja. A idéia era inédita. Até então, existiam monges de um lado e cavaleiros de outro.
“Payns inventou uma nova figura, a do monge-cavaleiro”, diz Marion Melville, autora de La Vida Secreta de los Templarios (sem tradução para português). O exército seria formado por frades bons de espada, que fariam, além dos votos de pobreza, castidade e obediência, um quarto juramento: o de defender os lugares sagrados da cristandade e, se necessário, liquidar os infiéis. Balduíno alojou-os no local onde outrora fora construído o mítico Templo de Salomão. Daí o nome do grupo: templários.
Em 1129, a ordem recebeu aprovação do papa no Concílio de Troyes. Em 1139, veio a consagração definitiva: uma nova bula papal isentava os templários da obediência às leis locais. Eles ficariam submetidos, dali em diante, somente ao sumo pontífice.
Os Cavaleiros do Templo admitiam excomungados em suas igrejas (o que era uma senhora blasfêmia para a mentalidade religiosa da época). Certa vez, um grupo de templários interrompeu, entre risos e com uma revoada de flechas, uma missa na Basílica de Jerusalém.
O padre era de outra ordem, a dos Hospitalários, e entre as duas havia uma rixa histórica. “Apesar da bravura reconhecida, os templários muitas vezes foram censurados por seu orgulho e arrogância”, afirma o historiador francês Alain Demurger no livro Os Templários: Uma Cavalaria Cristã na Idade Média.
Os Cavaleiros do Templo, também, eram proibidos de se confessar a outros que não fossem os capelães templários. Igualmente, o livro da Regra – que tinha sido escrita por ninguém menos que são Bernardo de Claraval – era restrito ao alto escalão da ordem (leia mais na pág. 27).
Os outros tinham de sabê-la de cor. Era uma forma de preservá-la, caso caísse em mãos erradas. Porém, entre cochichos, se especulava que a Regra continha artigos secretos cifrados, cuja interpretação dava posse de conhecimentos esotéricos, como a fonte da juventude ou a transmutação de metais.
Com o crescimento da ordem, os templários não pararam mais de receber doações, e em pouco tempo estavam administrando uma gigantesca fortuna espalhada por toda a Europa, composta de peças de ouro, prata, castelos, fortalezas, moinhos, videiras, pastos e terras aráveis.
O grupo emitia cartas de crédito: o peregrino à Terra Santa depositava uma determinada soma na Europa, que podia ser resgatada quando chegasse a Jerusalém. “O Templo de Londres foi chamado de precursor medieval do Banco da Inglaterra”, escreve o historiador britânico Edward Burman no livro Templários: Os Cavaleiros de Deus. Isso fez crescer o olho de muitos novos adeptos.
O teólogo inglês João de Salisbury, em 1179, se perguntava se os cavaleiros não tinham cedido às ambições terrenas. Essa suspeita se tornou certeza em diversos casos.
Em 1291, a viúva de um nobre templário foi expulsa de sua propriedade na Escócia pelo chefe da ordem no país, Brian de Jay. Segundo o contrato firmado pelo marido, a posse das terras voltaria à família depois de seu falecimento. Maliciosamente, Brian recusou-se a devolvê-las.
E o pior: ordenou que seus homens arrombassem a casa da viúva. Como ela se agarrou à porta, em completo desespero, teve os dedos decepados pela espada de um cavaleiro.
Enquanto os templários seguraram as pontas na Palestina, todos fizeram vista grossa aos seus desmandos. Porém, quando o jogo na Terra Santa virou, e os muçulmanos gradualmente reconquistaram a região – processo que culminou com a expulsão dos cristãos do solo sagrado em 1303 –, a animosidade contra a ordem explodiu.
“A expulsão foi particularmente séria para os templários, cujo prestígio e função se identificavam com a defesa dos lugares da vida, morte e ressurreição de Cristo”, diz Malcolm Barber.
Na Alemanha, “beber como um templário” virou sinônimo de bebedeiras, e “Tempelhaus” (a Casa do Templo), lugar de farra e até prostituição.
OSSOS EXPOSTOS
A ressaca pela perda da Terra Santa, porém, não foi o fundo do poço para os templários. A aliança com o papa, que se mostrava tão útil desde o século 12, revelou-se uma faca de dois gumes.
Em 1305, o novo sumo pontífice, Clemente 5º, se tornou aliado do rei da França, Filipe, o Belo. E os dois conspiraram para a destruição da Ordem do Templo. “O rei precisava de dinheiro para financiar seu aparato bélico”, diz Edward Burman.
Em 1306, Filipe desvalorizou a moeda francesa. Os parisienses ficaram furiosos e saquearam a cidade. A coisa foi tão feia que Filipe, ironicamente, teve de se ocultar numa fortaleza dos templários nos arredores de Paris. Lá, bem sob seus olhos, jazia a resposta para as suas orações: sacos e sacos de moedas de ouro.
No dia 13 de outubro de 1307, uma operação sigilosa da guarda de Filipe deteve e encarcerou boa parte dos templários da França.
As acusações eram pesadas e seguiam os moldes dos processos inquisitoriais daquela época: rejeição da cruz e de Jesus Cristo, beijos obscenos, sodomia e idolatria do Diabo (leia mais nas págs. 26 e 27). A tortura foi legitimada pelo rei. Os interrogatórios eram brutais: o cavaleiro Bernardo Vado, por exemplo, teve os pés tão queimados que seus ossos acabaram expostos.
Em março de 1312, no Concílio de Vienne, o papa extinguiu a ordem. A pá de cal foi a execução de Jacques de Molay, o último grão-mestre dos templários. Os monges-guerreiros que sobreviveram se mantiveram fiéis à Igreja, vivendo no anonimato. Um detalhe curioso e mórbido: a praga rogada por Jacques pegou. Clemente morreu 42 dias depois de De Molay, e Filipe bateu as botas em 29 de novembro daquele mesmo ano. Terminava assim a história dos cavaleiros de Cristo. Terminava? Bem... ainda não.
Depois da blitz aos templários engendrada por Filipe, o Belo, alguns frades teriam reconstruído secretamente a ordem. E dezenas de sociedades secretas posteriores seriam filhotes do movimento. Será que isso é verdade? Quando fizeram essa pergunta ao historiador Malcolm Barber, ele apenas sorriu e respondeu com ironia: “Como escreveu Umberto Eco em O Pêndulo de Foucault, ‘os templários sempre estão por trás de tudo’ ”.
Arranjo: JTC